Vereador Rogério Campos, ligado à diretoria do SINDIMOC – sindicato de motoristas e cobradores de Curitiba.
É impressionante, mesmo após as manifestações de junho de 2013 pela Tarifa Zeros em todo país, ainda existirem políticos anacrônicos com propostas retrógradas como essa repudiada pelo MPL-Curitiba recentemente. No dia 25 de Setembro de 2015 o vereador Rogério Campos, do PSC, entrou com pedido de tramitação de uma lei a fim de criminalizar e penalizar “fura tubos”.
A ementa do projeto de lei apresentada pelo vereador para a apreciação da Câmara dos vereadores tem seis artigos que, de maneira reducionista e rápida, estereotipa o “fura tubos” como violador penal; legisla sobre maioridade penal ao criminalizar estudantes menores de idade e ainda estipula multa, para aquelas pessoas que não tem dinheiro pra pagar a tarifa, no valor de 50 tarifas. Caso haja reincidência o valor é multiplicado por dois.
O MPL se posiciona em caráter de repúdio a essa proposição reacionária. Segundo o mesmo vereador, a punição é administrativa e arbitra pena no valor de 50 tarifas ao infrator ou múltiplos de dois, caso haja reincidência. Porém não concebemos desta forma, visto o projeto foi fundamentado no Código Penal, o que é perigoso e pode abrir precedentes à criminalização de menores estudantes. Além disso, o projeto de lei é inconstitucional e ilegal, vista a pretensão em colocar o município a legislar em matéria penal o que não é de sua competência.
Será que o vereador está desinformado sobre como o transporte coletivo incide vetorialmente na evasão escolar em todos os níveis no país?
Segundo levantamento do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) referente ao ano de 2011, a taxa de evasão escolar no Ensino Fundamental brasileiro é de 2,8% dos matriculados, tendo a ampla maioria ocorrida nas redes pública municipal e estadual. Já no Ensino Médio, a taxa mais que triplica: 9,8% dos alunos abandonam os estudos (a maioria também faz parte da rede pública). Nas universidades públicas e privadas, a taxa de evasão atingiu 14,4% dos estudantes em 2010, de acordo com os últimos dados disponibilizados pelo Ministério da Educação (MEC).
No Brasil, as maiores taxas de evasão ocorrem durante o ensino superior, quando já não existe transporte escolar gratuito – como no ensino básico – e nem sempre é possível estudar em instituições de ensino próximas de casa. “Quanto mais velha a pessoa vai ficando, mais ela terá que bancar sozinha sua passagem de ônibus” (MPL). De acordo, “esse estudante vai ter que trabalhar pra conseguir pagar o transporte até a escola, uma dificuldade a mais, o que com certeza influencia na questão da evasão escolar”.
O MPL enfatiza que o direito de circulação na cidade – através da tarifa zero – é fundamental para que o cidadão possa exercer outros direitos, como ter acesso à saúde e educação. “Se você não tem transporte público gratuito e precisa pagar uma passagem, há algo te impedindo de ter acesso a esses direitos”. A relação entre transporte e educação vai além da escola. “Tem uma série de atividades que complementam a educação nas escolas, como o acesso à cidade aos finais de semana para visitar museus, ir ao cinema e ao teatro.”
Transporte público ruim afeta saúde, educação e cultura
Os efeitos negativos de um transporte público caro e de má qualidade não estão restritos à questão da mobilidade urbana. Prejudicam também outras áreas vitais para a vida do cidadão, como saúde, educação, finanças e cultura. Especialistas e integrantes do Movimento Passe Livre (MPL) avaliam que a mobilidade urbana está diretamente relacionada à qualidade de vida, além de ser um dos maiores causadores de estresse da vida das pessoas.
“É um trauma para todo mundo. Principalmente para quem fica em pé, duas horas, crucificado, com alguém tentando pegar bolsa, apalpar. Não é à toa que as pessoas estão preferindo usar motocicletas, mesmo que isso represente risco a própria integridade física por causa dos acidentes, e não é à toa que essas manifestações conseguiram tantas adesões”, disse o doutor em Políticas de Transporte pela Universidade Dortmund, na Alemanha e professor do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília (UnB), Joaquim Aragão.
As manifestações citadas pelo especialista foram iniciadas pelo MPL: “Defendemos Tarifa Zero porque, além de ser a única forma de as pessoas terem acesso à cidade, o transporte público beneficia áreas vitais como saúde e educação. Por isso já imaginávamos que nossa luta se espalharia pelo país, mas não que iria alcançar a dimensão que alcançou”.
De acordo com o MPL, o incentivo ao uso de transportes individuais causa também problemas como aumento da poluição e do número de atropelamentos, o que resulta em mais gastos e problemas para a saúde pública. Dados do Ministério da Saúde mostram que, em 2010, 42.844 pessoas morreram nas estradas e ruas do país. Deste total, 10.820 acidentes envolveram motos. No mesmo ano, o gasto total do Sistema Único de Saúde (SUS) com acidentes de trânsito foi R$ 187 milhões. Só com internação de motociclistas foram gastos R$ 85,5 milhões.
Além disso diversos tratamentos de saúde deixam de ser feitos porque os pacientes não têm condições de pagar pelo deslocamento. E o problema relacionado à falta de condições para custear os transportes também afeta o direto e a qualidade da educação.
“Frequentei muitas escolas públicas. É comum alunos faltarem aulas por não terem dinheiro para ir à escola. Além do mais, direito à educação não está restrito a apenas ir à escola ou ao banco escolar. Os estudantes precisam ter acesso à cultura, a visitar museus. E, sem circular, não há como ter acesso a isso. A grande maioria não vai ao centro da cidade, museus, centros culturais para complementar sua formação”.
Segundo Aragão, dificuldades para mobilidade urbana afetam diretamente o rendimento escolar de jovens e crianças, que ficam cansados e com o sono sacrificado. “É um fator a mais a prejudicar o rendimento, além da qualidade de instalações do ensino público. Da mesma forma, afeta também a evasão escolar, a formação de profissionais e a produtividade do país”, disse o especialista.
“A mobilidade bloqueia inclusive a vida social do cidadão de baixa renda, que fica sem acesso a entretenimento, cultura e lazer. Estes são privilégios das pessoas motorizadas. Uma família de quatro pessoas que queira se deslocarem da periferia até um parque no centro da cidade gastará R$24, caso a passagem unitária custe R$3. Para quem recebe salário mínimo, isso é impossível”.
Arquiteto, urbanista e especialista em transporte público, Jaime Lerner diz que por trás das manifestações iniciadas pelo MPL está o descrédito nas políticas públicas e a falta de respostas à sociedade, sobre os diversos serviços públicos prestados a ela. “E tudo fica mais fácil em todas as áreas quando se tem um bom transporte público”, disse o ex-prefeito de Curitiba (PR).
E daqui pra frente…
O projeto de lei ordinária do vereador Rogério Campos está em fase de apreciação na Comissão de Legislação e Justiça da Câmara de Vereadores de Curitiba.
Muito provavelmente um parecer jurídico deve ser apresentado nas próximas semanas, já que a comissão tem trinta dias para analisá-lo, apresentar um parecer jurídico e mais dez dias para publicá-lo em diário oficial.
Esperamos nesse meio tempo, entre a análise da comissão e a publicação do parecer jurídico, o vereador Rogério Campos faça as devidas considerações e retire a proposta da pauta de votação. Desejamos que na próxima proposta o vereador seja mais feliz no conteúdo.
Que realmente favoreça a população usuária do transporte coletivo. Que ao invés de defender o lucro dos empresários do transporte com criminalizações e multas para quem não pode pagar os altíssimos preços da tarifa de ônibus em Curitiba apresente propostas descentes que viabilizem a inclusão do maior número usuários no transporte coletivo.
Só assim o vereador levará em conta, em sintonia com a população juntamente com a Câmara do Senado, a aprovação da PEC que elevou o transporte coletivo a direito social garantido pela constituição (http://www.conjur.com.br/2015-set-10/senado-aprova-pec-eleva-transporte-direito-constitucional).